"Com tanta discórdia pelo mundo afora a beleza ainda reina”
A banda Ponto de Equilíbrio se tornou referência no reggae brasileiro, já passou por diversos estados e produziu shows em outros países. Hélio Bentes, vocalista do grupo, fala ao Fazendo Media sobre a trajetória da banda, do reggae no Brasil, as influências nesse gênero musical, e as mensagens de amor que são transmitidas através de suas letras. Segundo ele, apesar do crescimento do reggae nos últimos anos ainda há muito preconceito com esse estilo de som em nosso país. Você podia começar falando como vocês criaram a banda. No meio de 1999 alguns integrantes se reuniram na casa do André [guitarrista solo] para levar um som de reggae pensando num projeto. Eles tiveram a ideia de me chamar para ir lá e cantar as composições. O mais interessante disso tudo é que todos eram amantes do reggae roots, do reggae raiz. Em dezembro de 1999 a gente se juntou em Vila Isabel [zona norte do Rio] para fazer o Ponto de Equilíbrio. A gente conta como se o começo da banda fosse no primeiro ensaio, que foi um estouro de energia, de positividade. Isso a gente já sentia uma revolução interior dentro de cada um, na música. O nome Ponto de Equilíbrio foi o Lucas, nosso baterista, que sonhou com ele. Ele recebeu o nome num sonho, e ao mesmo tempo ele também me explicava que o nome Ponto de Equilíbrio é um nome muito forte, porque na verdade o que todo homem está precisando e procurando é um ponto de equilíbrio entre todas as coisas. Porque enquanto a humanidade inteira não encontrar o ponto de equilíbrio eu também não vou encontrar, porque a gente vai encontrá-lo juntos. O ponto de equilíbrio é um estado de espírito para todos, é um equilíbrio entre tudo: o céu e a terra, o bem e o mal, entre a razão e o sentimento, a mente e o coração e o espírito. E até o nosso símbolo, que é uma estrela de Davi, que também pode ser chamada de estrela de Salomão, representa muito esse equilíbrio porque está tudo entrelaçado. Vocês tiveram algum ponto da música brasileira que se espelharam para poder adaptar para o reggae? A nossa música sempre foi baseada no reggae jamaicano, tanto instrumentalmente como na mensagem, nas melodias. A gente começou se baseando neles, mas botando o toque brasileiro. O Ponto de Equilíbrio tem muito essa característica brasileira do reggae roots sem perder a essência, mas você percebe que é do Brasil. A música brasileira está na nossa veia, a gente é de Vila Isabel, ali você vive a música brasileira de raiz. Então a gente ouvia aquelas mensagens também, e aquilo tocou o coração de quem realmente queria viver aquilo de alguma forma. Buscar aquela ideologia, aquela forma de viver A nossa primeira música já veio com alguma mensagem, que foi “Lágrimas de Jah”, do André Sampaio. Ela é um protesto e ao mesmo tempo é religiosa. Religião é a forma que você se religa a Deus, então acho que a maior religião do Ponto de Equilíbrio é a música porque a gente vive dela e com ela. E a nossa música fala sobre coisas boas, sobre o bem e achar um caminho para vitória da humanidade, da paz, da união. Enfim, do amor. Então a mensagem sempre foi essa, para libertar mesmo. Quando a gente a fala de reggae no Brasil o Ponto é uma das referências, são poucas bandas e que não circulam muito na mídia também. Como você caracteriza o reggae brasileiro? Tem muita banda de reggae no Brasil, cara. Tem muitas bandas que fazem um som bem característico do reggae jamaicano, seja dos anos 60 ou atual. Tem muita gente fazendo uma coisa bem original, e tem bandas como a gente que já têm um pouco da veia brasileira tanto na melodia como na forma de cantar e na composição. O linguajar carioca em muitas das músicas você percebe. E tem outras que já fazem uma coisa bem misturada com a música brasileira, bota o forró já bem lá dentro. Você falou em forró, queria que você explicasse melhor essas influências… No Ponto nem tem muito forró, a gente bota uma influência do Brasil de uma forma que não tire a característica do reggae. A gente tenta ser delicado nessa parte, tem que ser uma coisa que encaixe muito bem no reggae roots. Tem samba, tem maracatu, tem até o próprio hip-hop, porque eu já fui cantor de rap. Tem influência de muita coisa, também não é só de música brasileira, tem jazz. Até porque o reggae vem da mistura de ritmos, do calipso, do mento, lá da Jamaica, com o jazz dos Estados Unidos, e algumas batidas africanas. Eles vêm com a batida africana da Jamaica, que é o Nyahbinghi, que é a batida do coração, que está sempre dentro do reggae. Então o reggae já vem de outras influências e dá para você implementar outras coisas. O reggae no Brasil está caminhando bem, estão aparecendo talentos novos muito bons que estão sendo reconhecidos lá fora, principalmente na Jamaica. O reggae fala muito de protesto, mas na letra de vocês é mais para uma visão de outro homem e não de esquerda ou direita, socialismo e capitalismo, etc… A nossa ideologia ou qualquer coisa que seja é o amor. O essencial do rastafári se baseia no amor, não é com direita ou esquerda, ideologia de comunismo, fascismo. A gente é contra qualquer tipo de coisa que vá contra o amor que nos criou, que é o amor de Deus, de Jah. Então quando a gente fala mal do capitalismo é porque ele é realmente um grande mal para a humanidade, porque através dele a humanidade vai mal. Eu ainda prefiro o comunismo do que o capitalismo, mas também não o adotaria sem acreditar em Deus. Até porque existem várias formas de viver, existiram no mundo várias tribos e culturas porque Deus fez daquele jeito. Então é difícil você acreditar numa forma, a gente acredita no amor. Qual é essa influência do rastafári? O Hailê Selassiê é o ponto principal no rastafári, alguns dizem que é Deus, outros que é Messias. Uma coisa que é muito importante e eu gostaria de frisar sobre a pessoa de Hailê Selassiê, é que as pessoas ouvem informações erradas sobre ele. Que o cara era um ditador, um tirano, que enquanto o povo dele estava passando fome ele estava dando carne aos leões, mas isso é pura calúnia. Um documentário do National Geografic de 1970, que tem até no youtube disponível, mostra qual foi a vida dele e no final o próprio canal o elogia como uma pessoa que fez coisas pelo seu povo. Eu acredito que as calúnias sempre vêm na frente, a verdade por mais que ela dure chega. E a verdade sobre o maior rei da África de todos os tempos, que foi o imperador Hailê Selassiê da Etiópia, é que ele é o homem que mais fez pela humanidade depois de Jesus Cristo. Quando se fala em reggae, no senso comum, que não é o nosso ponto de vista, se pensa logo no Bob Marley e se associa à maconha também. Sendo visto de certa forma como coisa de alienado e tal. Tipo assim, legal, reggae é coisa de Bob Marley, maconha, essas coisas que a galera fala. Mas ai você vai numa balada de axé e vê loló, álcool para caramba pra dentro, cocaína, é um montão de droga, irmão. Maconha, que é a mais leve, é o que você menos vê. É um ou outro que dá um “doisinho”, mas não sabe nem o valor que tem essa erva. De puxar a energia da terra e que abre a nossa consciência, se você souber usar. Se você usar como qualquer droga você não vai achar nada, vai querer uma droga cada vez mais forte. Eu não uso nenhum tipo de droga, eu só fumo “ganja” e estou muito bem. É o meu costume, é a coisa que me dá equilíbrio mental, espiritual. E é o preconceito, é o racismo também. Infelizmente, o racismo ainda existe no nosso país. Tudo o que a raça negra já fez por esse país parece que não serve de nada, e o preto continua na mesma situação. São poucos pretos que estão lá em cima e a maioria está na miséria. Então, é o racismo, é música de preto, de maconheiro, doidão, cabeludo, não sei o quê, entende? Mas isso só vai mudar quando as bandas de reggae, os produtores, os empresários e todo mundo que trabalha com o reggae começar a pensar em valorizar a música como uma coisa cultural. O reggae, ou o Ponto de Equilíbrio, então, é uma contra cultura? Pode ser, entende. Mas quando o reggae mostrar o que ele é de verdade vai ser diferente. Se juntar para fazer trabalho social e mostrar o potencial que a música reggae tem, a mensagem. Quando falam do Bob Marley, em geral falam daquele som gostoso, mas nunca do conteúdo, da mensagem, que tinha um engajamento político firme. Como é que você vê essa questão? Além de ter um engajamento político firme, o que ele falava ele fazia. Um DJ de reggae da Jamaica dizia que o Marley sustentava 8 mil famílias, coisas que o governo não estava fazendo pelo povo. Então não é uma música de doidão, tem um engajamento político, tem um engajamento religioso, coisas que vão fazer bem à sociedade. As pessoas não sabem, até porque infelizmente no Brasil a maioria das pessoas é ignorante, não teve estudo, não sabe o inglês e a mensagem que está sendo passada. Isso se chama opressão. É por isso que eu faço a música do jeito que eu faço, porque é a opressão do sistema o todo tempo irmão. Ainda mais a gente que quer fazer uma coisa alternativa, que faça realmente bem para as pessoas, que não seja aquela coisa massificadora, você vai ser jogado contra a parede. E se você não tiver um escudo muito forte para se defender, você vai ficar lá encurralado, infelizmente. Toda essa indústria e a parte comercial que está se formando no reggae pode atropelar a questão artística? O trabalho do empresário é esse. Quando as pessoas trabalham, infelizmente na verdade é para ganhar dinheiro. O mal não é ganhar dinheiro, é às vezes o empresário não enxergar que com isso ele ganharia até mais grana. Se o reggae tivesse uma visibilidade melhor dentro da sociedade, poderia gerar até mais grana para os empresários e melhorar o lado social e coisas boas para a comunidade, para os mais necessitados. Quem ganha mais é quem está fazendo o evento, entende? Se o evento bombar, o cara sai dali com uma casa e um carro e eu saio com no máximo 2 mil reais no bolso. É um pouco injusto para o músico isso. Eu não quero ser rico ou milionário, mas eu quero ter o meu direito. Se o cara está bombando, porque eu não posso bombar? Eu que sou o dono da música, faço parte da banda, as pessoas estão indo para ver a banda. Com isso, eu queria saber por que e quais são as dificuldades para vocês produzirem de forma independente? Antes eu via com dificuldades, mas agora eu vejo que é mais fácil você ser independente do que você depender de uma gravadora multinacional ou nacional. Porque os caras vão te dar grana e tudo mais, mas eles vão querer te botar dentro de um padrão. Foi o que aconteceu com o Ponto de Equilíbrio em duas gravadoras que a gente passou. Eles dificultam o próprio trabalho deles, então eu não vou querer ficar me envolvendo com as dificuldades que eles botam para eles mesmos. Nos dias de hoje para a gente é muito mais fácil a gente seguir o nosso caminho, por mais que o lado financeiro seja muito menor. É melhor você ficar com pouquinho, de pouco em pouco, e aquela coisa durar do que você receber de repente de montão e alguém chegar e te tirar aquilo e você ficar na mão. Esse foi o mal da gravadora para a gente. Como é você vê esse lance do artista ter essa mensagem política, e mais especificamente no Rio de Janeiro? A gente canta o que a gente vê, o que a gente viveu, e continua vendo. Essa é a mensagem, é abrir a cabeça das pessoas para uma coisa que muita gente não quer ver. Ontem à noite eu vi um vulto levantando do chão e tomei um susto, quando eu vi era um ser humano, entende? Tem muita gente que fala que moleque de rua rouba, mas no governo, na polícia, no Brasil, quem não rouba? Entendeu? Então a realidade é essa, é a realidade do nosso país. É uma mistura imensa, um montão de gente, pobre para caralho, um montão de gente na miséria, e a sociedade vira as costas para isso. O Helio Luz falou isso e ele saiu de delegado da polícia: “Qual é o único órgão do governo que sobe no morro? É a polícia”. Quem da sociedade vai lá? É um ou outro que vai lá ajudar, agora imagina se toda a sociedade se mobilizasse, não existiria nem favela. Por isso que eu te digo que eu sou mais comunista do que capitalista, porque o capitalismo é um mal. Isso que o capitalismo faz com as pessoas, ele vira as costas para o irmão dele, sangue vermelho igual ele, sem importar a cor, que ele está com o pé sujo, com os dentes rasgados, acima de tudo é irmão. Por isso que a gente fala mal do capitalismo, porque é furada, falência, já caiu, não tem mais o que dar de bom. Só vai dar guerra, fome, desespero, fim. Além da letra crítica vocês fazem mais alguma atividade política por fora? A gente tem um projeto de tocar nas penitenciárias, porque cada um da banda sempre trabalhou de alguma forma social. Mas às vezes os espaços não se abrem para a gente. Antes da gente fazer o que temos interesse, temos que ser reconhecidos pelo governo, pelo estado, e a gente está começando a ser reconhecido agora. Por que você acha que esse reconhecimento não rola? Preconceito que tem em cima do reggae. Como é que você vê o que é propagado na mídia? Existem vários tipos de mídia, vocês e nós somos umas, que estamos propagando alguma coisa. Mas existem as mídias de massa, massificadoras, como a rede Globo. Ela manda em tudo, ela dita as regras, a moda, bota e tira presidente, é uma ditadora. Por isso que a gente tem aquela música “Ditadura da televisão”. Principalmente a rede Globo é uma ditadora, as outras emissoras têm os seus públicos, mas a rede Globo abrange tudo no Brasil. Ela abrange todo mundo, é inteligente, é Brasil. Ao mesmo tempo também você pode ter orgulho dessa emissora ser uma das maiores do mundo, mas é aquilo, também é muita mentira, muito descaso, racismo. Gostaria que você falasse sobre a legalização da maconha. Eu sou a favor de uma legalização para você poder cultivar dentro da sua casa, plantar a sua erva, mas a legalização industrial eu não sou a favor. Acho que você tem que poder plantar a sua erva na sua casa, mas você não tem que ter o direito de vender e fazer indústria, nada disso, porque só vai dar mais dinheiro para o governo. E o estado é ladrão, ele rouba do povo, a realidade do nosso Brasil é essa. Tudo isso parece jogada política para mim, eu não entendo de nada disso, eu sou pelo amor, entende? E eu vou continuar fumando a minha ganja boa, da melhor qualidade, se legalizar ou não. Mas como você vê o cara da banda ser preso por causa disso? É o cúmulo do ridículo no nosso Brasil nos dias de hoje. Porque o cara músico, do bem, que mora lá no mato, é um irmão que posso dizer que é uma pessoa pacata. Ele mora onde não chega nem luz e saneamento básico direito, mas a polícia chegou lá. Isso o cara que foi preso que falou, o Pedro Pedrada, que é uma pessoa que todo mundo sabe que é de bom coração; nem falar ele fala muito. Mas a polícia chegou lá e prendeu ele porque ele tinha 10 pés de maconha, e mais pela ignorância a sociedade acha aquilo ali muito, mas para quem fuma mesmo aquilo ali não nem para dois meses. Ele ficou 15 dias encarcerado como qualquer marginal, foi preso como traficante, várias calúnias vieram sobre ele. Eu também não gosto de ficar falando disso, porque o próprio Pedro quer que isso se apague da vida dele, que magoou a família dele e tal.
No ultimo dia 30, aconteceu mais uma edição da FEMADUM (Feira de música e artes promovida pelo Olodum), em Salvador-BA. A banda Ponto de Equilíbrio foi uma das bandas convidadas à se apresentar no evento regado por música afro baiana. O show aconteceu no Pelourinho, casa do Olodum, onde agregou turistas e baianos interessados na noite de música. O evento teve entrada gratuita e o Ponto de Equilíbrio (sempre bem vindo à nossa terra) , fez um ótimo show! FÃ CLUBE IRMÃOS DE LUZ mais uma vez, marcou presença!
"Nós que fazemos a música reggae também fazemos parte dessa batalha, pois nunca sozinho se vence uma guerra!"